REFLEXÕES SOBRE A TEORIA DE SARASVATHY FRENTE AO CENÁRIO DO
EMPREENDEDORISMO BRASILEIRO

Diego Ungari
4 min readAug 16, 2022

--

Conforme indica Chandler et al (2011), Sarasvathy foi pioneira nos estudos que buscam compreender o processo de empreender. A pesquisadora trouxe à tona a teoria que analisa esse processo sob duas óticas: causation e effectuation.

A primeira, chamada causation, é focada nos resultados de uma ação, por isso o nome remete a ideia de causalidade, nesse caso o empreendedor mentaliza os efeitos que espera e trabalha com as ferramentas ou os métodos que julgar necessários para atingi-los. Em contrapartida, segundo a abordagem do effectuation, o empreendedor lida com um fator contingencial, isto é, não previsível, portanto, os efeitos de suas ações estão condicionados as decisões que irá tomar no percurso frente as eventualidades que surgirem e não a um esforço preditivo (SARASVATHY, 2001). Apesar da teoria em questão ser mais uma das que importamos, incita algumas reflexões e pode trazer contribuições significativas para o ecossistema empreendedor brasileiro.

Em primeiro lugar, precisamos considerar que culturalmente não somos estimulados a empreender, especialmente nos anos de ensino fundamental e médio, o que resulta em uma formação escolar essencialmente tecnicista. Por outro lado, ou talvez em consequência disso, a maior parte dos empreendedores brasileiros possui um baixo índice de escolaridade. Conforme mostra o perfil dos empreendedores desenvolvido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), o número de empreendedores com ensino superior é expressivamente inferior aos daqueles que possuem ensino fundamental ou médio (Gráfico 1).

Gráfico 1. Nível de Escolaridade dos Empreendedores Brasileiros

Fonte: SEBRAE, 2015.

Um aspecto importante nisso é que o relatório mostra também que o nível de escolaridade é diretamente proporcional ao sucesso da empresa, ou seja, as pessoas com maior escolaridade tendem a terem negócios mais bem-sucedidos. Isso se justifica porquê “os empreendedores de alta escolaridade tendem a iniciar sua empresa mais por oportunidade do que por necessidade, tendem a planejar mais e melhor o seu negócio e conhecem melhor os instrumentos de gestão” (SEBRAE, 2015, s/n).

Nesse cenário, podemos dizer que a perspectiva do causation, se alinha a menor parte dos empreendedores brasileiros, uma vez que o processo de empreender relacionado a essa lógica implica na exploração de conhecimentos do empreendedor, por exemplo, para a aplicação de ferramentas de gestão (CHANDLER et al, 2011).

Assim, a lógica do effectuation surge como uma proposta bastante contundente a nossa realidade, justamente porque considera mais relevante o papel do ator e sua capacidade de adaptação para lidar com as contingências que surgem no desenvolvimento do negócio (SARASVATHY, 2001).

Considerando isso, ao pensar no processo empreendedor sob a perspectiva do effectuation, que leva em consideração o indivíduo, os conhecimentos que já possui e sua rede de contatos (SARASVATHY, 2001), certamente podemos deduzir que é uma abordagem que traria contribuições para alavancar um significativo número de negócios no país, dado o perfil dos nossos empreendedores. Para tanto, é importante que a academia não se limite a sua zona de conforto, investigando apenas àqueles empreendedores que já estão próximos a ela, mas sim expandindo os campos de investigação, buscando diminuir o distanciamento social dos que estão mais condicionados ao fracasso.

Resgatando um trecho do texto de Mintzberg (1998):

Sam Steinberg foi o exemplo do empreendedor, um homem intimamente envolvido com todos os detalhes de seu negócio, que passava as manhãs de sábado visitando suas lojas. Conforme ele nos disse ao expor a vantagem competitiva de sua empresa: ‘Ninguém conhecia o negócio de mercearias como eu. Tudo depende desse conhecimento. Eu conhecia as mercadorias, os custos, as vendas e os clientes. Conhecia tudo e transferia todo esse conhecimento adiante; eu estava sempre ensinando a meu pessoal. Essa é a vantagem que tínhamos. Nossos concorrentes não conseguiam nos alcançar’. Observe o tipo de conhecimento envolvido: não se tratava de conhecimento intelectual, relatórios analíticos ou fatos e números abstratos (embora isso tudo tenha alguma utilidade), mas sim de conhecimento pessoal, entendimento íntimo, equivalente ao sentimento do artífice em relação à argila. Fatos estão disponíveis a qualquer um; este tipo de conhecimento, não (grifo nosso) (MINTZBERG, 1998, p. 435).

Como bem ilustra a história, existe uma gama de conhecimentos que não são aprendidos nos bancos da academia e que precisam ser valorizados. Não acredito que pensar na perspectiva do effectuation será a solução milagrosa para voltarmos nossos olhos para esses outros saberes e para os sujeitos que os carregam, mas pode ser um ponto de partida para auxiliá-los a utilizarem o que já possuem como potencializador. Além disso, entendo que a lógica do causation se alinha a um cenário mais antiquado do mercado, o dinamismo contemporâneo exige algumas quebras de paradigmas e soluções cada vez mais ágeis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHANDLER, Gaylen N., et al. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal Of Business Venturing, 2011, 26.3: 375–390.

MINTZBERG, Henry, et al. Crafting strategy. Boston: Harvard Business Review, 1987. (Esse texto também está em português na pasta).

SARASVATHY, Saras D. Causation and effectuation: Toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of management Review, 2001, 26.2: 243–263.

SEBRAE. Dados SEBRAE. Perfil dos empreendedores. Publicado em: 2015. Disponível em: https://datasebrae.com.br/perfil-dos-empresarios/#escolaridade. Acesso em: 05 Dez 2019.

--

--