PESQUISA QUALITATIVA: O OLHAR ALÉM DO QUE SE VÊ

Diego Ungari
4 min readAug 16, 2022

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Não é de hoje que os estudos qualitativos são alvos de ferrenhas críticas por parte da comunidade científica. A subjetividade e a complexidade envolvida nos fenômenos estudados, contribui para isso, uma vez que tais características tornam esse tipo de pesquisa difícil de ser avaliada por outros cientistas, senão aqueles envolvidos no projeto (CAVALCANTI, 2017; DENZIN, LINCOLN, 2006). Entretanto, as transformações sociais têm possibilitado com que fenômenos antes pouco ou nada observados tornem-se cada vez mais evidentes, a exemplo dos movimentos feministas e queer. Nesse cenário o uso de métodos qualitativos para observar a realidade faz não apenas sentido, mas necessário.

A gênese desse tipo de estudo, habitualmente vinculada a sociologia, remete a ideia de se compreender o outro, sobre seus próprios pontos de vista e experiências vividas (TAYLOR, BOGDAN, DEVAULT, 2016; DENZIN, LINCOLN, 2006), o que se torna imprescindível para a compreensão de fenômenos como os mencionados. Isso porque, para compreender movimentos sociais como os feminismos ou o queer, é fundamental que se olhe para os indivíduos, para suas interações com os demais sujeitos e com o mundo. No caso em análise o que se vê é que movimentos como esses se fizeram necessários para confrontar aspectos socialmente construídos com o decorrer da história, que contribuíram para a marginalização de homossexuais e para a imagem de submissão das mulheres (CITELI, 2005).

O estudo desses fenômenos resultou no desenvolvimento de dois importantes campos para as ciências sociais, os estudos feministas, que buscam analisar criticamente as questões de gênero considerando os diversos feminismos possíveis (TAYLOR, BOGDAN, DEVAULT, 2016), e a teoria queer, que se propõe a investigar as diferentes expressões de sexualidade produzidas cultural, social e historicamente (POMPEU, et al, 2018).

Se observados sob um viés positivista, os gêneros estariam limitado ao sexo biológico e a sexualidade seria um mistério. Buscar compreender os aspectos que permeiam esses campos apenas com base em métodos quantitativos, faria com a que a ciência caísse em um vergonhoso reducionismo. Inquestionavelmente, existem uma série de fenômenos aos quais os instrumentos e métodos quantitativos podem ser aplicados.

Contudo, quando o objeto de estudo envolve a complexidade do indivíduo, certamente, o caminho deve ser outro. É o caso dos feminismos, que podem ser diversos, pois diferentes mulheres têm diferentes percepções sobre suas realidades. Evidentemente, uma mulher negra tem vivências distintas às de uma mulher branca heterossexual, que por sua vez experiencia um mundo diametralmente oposto ao de uma mulher transexual (RIBEIRO, 2017). Para que uma pessoa enquanto pesquisadora às compreenda, necessita ter essa percepção e sensibilidade, o que só é possível ao olhar o cenário a partir de uma perspectiva fenomenológica.

O mesmo se aplica as sexualidades. Como se observa a partir do desdobramento da sigla que representa o movimento queer, que há alguns era utilizada como GLS (gays, lésbicas e simpatizantes), posteriormente passou a ser LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) e atualmente é encontrada de diferentes formas, sendo LGBTQ+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queers e mais) e LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexuais e mais) as mais comuns. As transformações na sigla por si representam os resultados de inúmeros estudos que passaram a dar visibilidade a sexualidades que antes sequer eram mencionadas e isso só foi possível ao expandir o campo de estudos para além dos números e gráficos (TODXS, 2019).

Essas questões tornam-se ainda mais complexas quando analisadas frente aos contextos sociais. No Brasil, por exemplo, o número de violência contra a população LGBTQ+ e mulheres, coloca o país nas primeiras posições entre àqueles que mais cometem crimes por discriminação em razão da orientação sexual e também em que os índices de suicídio entre os jovens são mais elevados (OLIVEIRA, 2018). Além disso, a situação da violência contra a mulher também é alarmante. De acordo com o Atlas da Violência de 2019, em 2017 o número de mulheres mortas no Brasil foi o maior dos últimos 10 anos e houve um crescimento de 28,7% entre aquelas assassinadas na própria residência (IPEA, 2019).

Os números são importantes para chamar atenção ao problema, mas não suficientes para compreendê-lo à fundo. Por tudo isso, reforça-se aqui o entendimento de que as pesquisas qualitativas possuem um papel fundamental na ciência e são primordiais para o desenvolvimento social. Fenômenos como àqueles utilizados como exemplo no presente paper estão emergindo cada vez mais e, assim sendo, se faz necessário o uso dos métodos adequados para compreendê-los.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAVALCANTI, Maria Fernanda R. Diretrizes para pesquisas qualitativas em estudos organizacionais: controvérsias e possibilidades. Rio de Janeiro, Administração: Ensino e Pesquisa, v.18, n.3, p.457–488, Set-Dez. 2017.

DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvonna (org.). Introdução: a disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In: ____. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed, 2006. Cap. 1, p.15–41.

IPEA (Instituto de Pesquisa Economica Aplicada). Atlas da violência 2019. Publicado em: 05 jun 2019. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/190626_infograficoatlas_2019.pdf

OLIVEIRA, D. A. G. DE. O SUICÍDIO NA COMUNIDADE LGBT NO BRASIL (Monografia). Juiz de Fora: Universidade Federal De Juiz De Fora, 2018.

POMPEU, S. L. E. et al. A produção científica sobre sexualidade nos estudos organizacionais: uma análise das publicações realizadas entre 2005 e 2014. Organizações & Sociedade, v. 25, n. 84, p. 50–67, 2018.

RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017.

TAYLOR, Steven J.; BOGDAN, Robert; DEVAULT, Marjorie L.. Introduction: go to the people. In: ____. Introduction to qualitative research methods: a guidebook and resource. 4. ed. New Jersey: Wiley, 2016. Cap. 1, p. 3–28.

TODXS. Mapeando violências contra pessoas LGBTI+ no Brasil: Uma análise das denúncias do TODXS APP (Coord.: Rafael Carrano Lelis). Brasil: 2019.

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