ORGANIZAÇÕES E TECNOLOGIA

Diego Ungari
4 min readAug 16, 2022

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Hatch (2013) explora como a tecnologia pode ser entendia por meio das perspectivas modernista, simbólica e pós-modernista. Como explica a autora, toda organização emprega uma tecnologia específica, ou um grupo de tecnologias inter-relacionadas, que desafiam como meio de transformar insumos em produtos ou serviços. Fica evidente que o que se compreende como tecnologia sofreu consideráveis mudanças com o passar do tempo, principalmente no que diz respeito a ruptura de um modelo mais rígido de organização em contraponto aqueles mais flexíveis.

Roberts e Grabowski (2004), destacam as duas principais visões sobre a tecnologia nas organizações, a primeira chamada descritiva, que consiste em analisar esse aspecto descrevendo como ela cresceu e seu papel nas organizações, que poderíamos dizer que se alinha a uma abordagem modernista. Sob outro viés, existem as abordagens relacionais, que enfatizam as relações entre tecnologia e organizações, que condizem mais com uma postura de análise simbólico ou mesmo pós-moderna.

Aqui defendo que se faz cada vez mais necessário analisar a tecnologia nas organizações com a lente relacional, uma vez que não faz mais sentido olharmos apenas para a estrutura organizacional e o meio ambiente interno, é fundamental uma visão ampla, considerando as inferências de diferentes atores e fatores externos, além dos internos.

Um ponto que me chama a atenção é a aplicação da teoria ator-rede no contexto estudado. Como mostra a autora, sob esse viés a “Sociedade e tecnologia não são duas entidades ontologicamente distintas, mas mais como fases de uma mesma ação essencial” (LATOUR, apud HATCH, 2007, pp. 144–145). Isto é, a tecnologia se constrói a partir das relações entre os elementos humanos e não-humanos.

Isso me remeteu a outra obra de Latour, Jamais Fomos Modernos, na qual o autor defende que o pensamento modernista tende a dissociar o mundo natural, que sempre existiu, da cultura, que é construída pela ação humana. Contudo, essa perspectiva dicotômica não se sustentaria pois cada vez mais nos deparamos com a hibridez entre esses extremos. Como Hatch mostra, essa decantação do humano, colocando-o não como um ser superior, mas um componente desassociado de uma rede que é formada por humanos e não-humanos, ou objetos e não-objetos, condiz com as condições do pós-modernismo.

Encontramos uma boa ilustração para isso no livro Deuses Americanos de Neil Gaiman (2004), que relata um conflito entra os Deuses antigos, que assim como a natureza sempre estiveram aqui, e os Deuses novos, que surgiram a partir das transformações sociais. Entre estes, existe o deus que representa a tecnologia e durante o desenrolar da história, percebe-se que por ser consequência de uma criação humana, tem ares humanos, que se mesclam com os ares divinos. Ao contrário dos Deuses antigos, que seriam puros. Isso reflete bem o que Hatch (2013) traz ao explorar a teoria do ator-rede e que Latour mostra. Com a evolução do que entendemos como tecnologia, estamos cada vez mais imersos nessa rede, ao mesmo tempo construímos e somos construídos por isso.

Em sentido semelhante, Orlikowski (1992) nos convida a refletir sobre os limites tempo-espaciais da tecnologia. Como mostra a autora e considerando o período em que o artigo foi escrito, por muito tempo o modelo organizacional de tecnologias era estritamente industrial, marcado pelo formalismo e padronização, restringindo-se ao meio ambiente interno da organização. Contudo, com o advento de tecnologias computacionais, como a internet, essa limitação de tempo-espaço sofreu uma brusca transformação, tornando o modelo de tecnologia das organizações mais aberto. Desse modo, cada vez mais é necessário que as organizações lutem e aprendam a serem mais flexíveis a respeito da forma como interagem com a tecnologia.

Nesse contexto, as tecnologias podem tanto moldar como serem moldadas por novas formas de organização (ORLIKOWSKI, 1992). Exemplo disso é o contexto em que estamos passando, no qual muitas organizações foram forçadas por um fator externo a sofrerem uma espécie de transformação digital compulsória, precisando adotarem tecnologias que rompem com o padrão industrial, para sobreviverem.

Podemos observar organizações altamente rígidas, se flexibilizarem, ao passo em que empresas que trabalham com tecnologias específicas cresceram nesse período, fornecendo seus serviços e produtos para aquelas outras. Além disso, as disrupções tecnológicas tem desafiado mesmo limites naturais como o conceito de morte, a exemplo da Amazon que estuda implementar em sua assistente virtual um funcionalidade que permite utilizarmos a voz de pessoas que faleceram (CURTIS, 2020), e da Munhwa Broadcasting Corporation que utilizou a realidade virtual para permitir que uma mãe abraçasse sua filha de sete anos que faleceu em 2016 (NEVES, 2020).

Portanto, é possível dizermos que apesar da fama de que os pós-modernistas tendem a serem críticos demais, sem proporem soluções, quando se fala em tecnologia a visão desconstrutiva que o pós-modernismo propõe é adequada aos tempos atuais. Do mesmo modo, a abordagem relacional é necessária, pois como busquei demonstrar os avanços tecnológicos constantemente tem desafiado as nossas crenças sob os seus limites e quase que diariamente precisamos aprender a desaprender o que tínhamos como certo. Assim, é praticamente inevitável ao se falar sobre a tecnologia nas organizações utilizarmos uma visão que não seja a mais abrangente possível e busque explorar todas as relações a partir das quais a tecnologia se desenvolve.

REFERÊNCIAS

CURTIS, C. The Next Web. How tech is defying death and turning our loved ones into Alexa-powered chatbots. Publicado em: 28 Mai 2020. Disponível em: https://thenextweb.com/tnw-answers/2020/05/28/how-tech-is-defying-death-and-turning-our-loved-ones-into-alexa-powered-chatbots/

GAIMAN, Neil. Deuses Americanos. 2. ed. Trad. de Ana Ban. São Paulo: Conrad Editora do

Brasil, 2004.

HATCH, M. J. Organization theory: Modern, symbolic, and postmodern perspectives. Oxford university press, 2013. (Parte II, Cap. 5).

LATOUR, B. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.

NEVES, A. Transformação Digital. Realidade virtual e morte: quais os limites éticos da tecnologia? Publicado em: 12 Fev 2020. Disponível em: https://transformacaodigital.com/saude/tecnologia/realidade-virtual-e-morte-quais-os-limites-eticos-da-tecnologia/

ORLIKOWSKI, W. J. The duality of technology: Rethinking the concept of technology in

organizations. Organization Science, v. 3, p. 398–427, 1992.

ROBERTS, Karlene H.; GRABOWSKI, Martha. Organizações, tecnologia e estruturação. In: CLEGG, S. R. et al. Handbook de estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 2004.

3 v. 3, Cap. 13. (livro em português disponível na biblioteca ou versão em inglês na pasta

– Cap. 2.8).

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