A PERCEPÇÃO DA ESTRATÉGIA COMO PRÁTICA SOCIAL E A QUESTÃO DA DIVERSIDADE NAS ORGANIZAÇÕES

Diego Ungari
4 min readAug 16, 2022

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Assumir a percepção da estratégia como uma prática social envolve, antes de mais nada, reconhecer que não se trata de um atributo exclusivamente organizacional, mas sim inerente ao ser humano. Portanto, nesse viés, precisamos considerar não somente o que a organização diz assumir como práticas, mas de fato como as pessoas fazem as estratégias acontecerem (WHITTINGTON, 2004). Assim, quando se fala na questão da diversidade, nos deparamos com um cenário em que o ambiente organizacional reproduz estruturas sociais de outros campos, privilegiando grupos dominantes.

A mudança na demografia organizacional, tem incitado pesquisadores a incluírem na agenda de estudos a diversidade como uma de suas pautas, principalmente a partir dos anos 80 (COX; NKOMO, 1986; THOMAS, 1990, FREITAS, 1999; COX, 2008). Apesar de representar um significativo avanço de caráter social, isso chocou-se com um cenário no qual ainda era muito presente os reflexos da administração científica, que defendia, entre outras ideias, a de que os indivíduos fossem fortemente condicionados a não causarem discórdias ou dissensões, para a manutenção de uma certa estabilidade organizacional. Em razão disso mantinham-se equipes homogêneas, representadas pelo estigma do homem branco, nativo, heterossexual e não-deficiente (THOMAS, 1990).

Como mostra Bourdieu (2003), no decorrer da vida somos inseridos em diferentes campos sociais, iniciando pela família e adentrando a outros com o tempo. Sempre que uma pessoa é incluída em um novo campo, passa por um processo de socialização, a partir do qual irá adquirir um conjunto de valores e comportamentos característicos daquele campo, disso constrói um habitus.

Esse habitus, representa uma reprodução da memória coletiva de um determinado grupo, que compõe um campo social. Assim sendo, o sujeito ao ser socializado naquele campo receberá parte dessas memórias e as tornará, de certo modo, como suas. Isso permite que práticas sejam transmitidas pelo tempo, contribuindo com sua manutenção, em uma espécie de recursividade. Ocorre que

nem sempre essas práticas são positivas e não raramente tornam-se barreiras para que a organização se adapte a transformações sociais (JARZABKOWSKI, 2004). A manutenção de organizações mais heterogêneas na expectativa de torna-la mais estável é um exemplo. Comprovadamente, a diversidade traz ganhos para organização em diferentes aspectos. Um reflexo claro disso é que empresas de grande porte como Grupo Boticário, Natura, Shell, Santander, SAP, entre outras, passaram a incluir a diversidade como uma estratégia organizacional (EXAME, 2019). Como indica o relatório desenvolvido por Hunt et al (2018), empresas que têm políticas de diversidade de gênero para cargos executivos apresentam probabilidade 27% superior a terem lucratividade acima da média, em relação a empresas que não representam esse cenário. Do mesmo modo, àquelas que trabalham ações voltadas

a diversidade étnica e cultural apresentam 33% de probabilidade de ter a performance financeira superior.

Além disso, também deve ser considerado que no decorrer dos anos nota-se uma crescente evolução do movimento para garantia de direitos fundamentais de grupos sub-representados, tais como negros, mulheres, pessoas LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, interssexo e outros) e pessoas com deficiência (PCDs). Esse movimento, consequentemente, fez com que muitos indivíduos que por anos foram vistos como marginalizados e mantidos em constante isolamento social, passassem a ocupar espaços que historicamente não os pertenciam.

Importante ressaltar que isso faz com que o trabalho e as organizações tenham uma função social extremamente importante, uma vez que se consolidam como instrumentos fundamentais de inclusão, contribuindo diretamente para a redução de desigualdades sociais (SCHUR, 2002). Frente a isso, como advoga Whittington (2004), “do ponto de vista sociológico, a estratégia permanece uma atividade que envolve recursos substanciais e possui significativas consequências para a sociedade, por menos intencionais que sejam” (2004, p. 51).

Por tudo isso, apesar de necessária, a inclusão de grupos sociais sub representados no ambiente organizacional passa por um grande desafio: proporcionar que, de fato, essas pessoas sejam incluídas como parte do grupo de trabalho, com condições ambientais favoráveis ao bom desempenho de sua atividade laboral. Como evidenciou a pesquisa de Santos (2019), mesmo as empresas que indicam ter práticas voltadas a inclusão de pessoas vindas de grupos sub-representados ainda se limitam a ações pontuais, mas não pensam de fato em estratégias para a manutenção de práticas que possibilitem a construção de novos habitus. Nisso, pensar em estratégias para valorização e promoção da diversidade é de fundamental importância, principalmente ao considerarmos que os reflexos dessas práticas perpassam os limites físicos da organização e incidem na sociedade como um todo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Lisboa: Fim de Século, 2003.

COX, T. An Update on the Relationship between Workforce Diversity and Organizational Performance Content. Synergy by Diversity, p. 1–12, 2008.

COX, T.; NKOMO, S. M. Differential Performance Appraisal Criteria : Group and Organization Studies, v. 11, p. 101–119, 1986.

EXAME (Revista). Guia EXAME de Diversidade (org. FILIPPE, M.), n. 1182. São Paulo: Editora Abril, 2019.

HUNT, V; et al. A diversidade como alavanca de performance (Relatório). McSinsey&Company, Jan, 2018.

JARZABKOWSKI, Paula. Strategy as practice: recursiveness, adaptation, and practices-in-use. Organization studies, 2004, 25.4: 529–560.

SANTOS, N.H. Práticas de diversidade: um estudo em empresas de tecnologia de Florianópolis (TCC). Florianópolis: Universidade do Estado de Santa Catarina, 2019.

SCHUR, L. The difference a job makes: The effects of employment among people with disabilities. Journal of Economic Issues, v. 36, n. 2, p. 339–347, 2002.

THOMAS, R. J. From Afirmative Action to Afirming Diversity. Harvard Business Review, p. 1–21, 1990.

WHITTINGTON, Richard. Estratégia após o modernismo: recuperando a prática. RAE-revista de administração de empresas, 2004, 44.4: 44–53.

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